Era o ano de 2000, e eu estava munido de excelentes fatores para bombar profissionalmente. Havia concluído o ensino médio em 1999 e ainda não tinha ingressado na faculdade. Estava em dúvida sobre o curso que eu faria e onde poderia estudar. Isso porque, apesar de já ter escolhido a psicologia, eu precisava considerar a condição econômica da minha família, ou melhor, a falta de condição econômica da minha mãe. O que precisava ser considerado é que, para cursar em uma instituição pública, teria que morar em outra cidade, e para ficar em casa, teria que ingressar numa faculdade particular. Até aquele momento, todas as opções eram para cursar em período integral.
Estava então procurando um trabalho, tentar construir alguma coisa que pudesse me ajudar durante a faculdade, que naquele momento tinha pouquíssima chance de ser a que eu sonhava.
Na época, apesar de ter um certo domínio com computadores, não me via qualificado para nada. Procurava emprego pelo sentido de ?oportunidade?.
Uma destas oportunidades foi a de trabalhar com consultoria, vaga esta um tanto estranha visto que o cargo era para ?consultor de telemarketing?, mas o trabalho era venda de porta-em-porta. O que importa é que eu entrei sabendo o que iria fazer.
Enfim, carteira assinada, uniforme e material na mão. Vamos trabalhar!
Embora fosse um trabalho cansativo, até que funcionava muito bem para mim. Estava pegando o jeito e seguia em gradativa evolução.
Mas um belo dia somos convocados para uma reunião onde tivemos a notícia de que a empresa passaria por uma reformulação dos seus produtos e justamente aquele que eu mais vendia sairia de linha.
Se você trabalha com vendas sabe que, embora isso represente um baixa momentânea, é possível retomar o ritmo com os novos produtos, fazendo alguns estudos e mudando a estratégia. Conhecimento este que, na época, eu nem sabia que existiam.
A real é que a empresa descartou o produto campeão de vendas, e a galera ficou sem saber o que fazer. Inclusive eu. Pois eu só sabia vender aquilo.
Então, após um mês de baixas terríveis, e sem qualquer sinal de que as coisas fossem melhorar, veio a ?solução?.
Foi marcado um treinamento com um líder da empresa, que viria de outro estado para nos trazer motivação e novas estratégias.
Não sei como isso soa para você, mas eu fiquei bem animado com a notícia.
Nesta altura eu já estava na faculdade de psicologia, e o modelo de negócio me permitia vender sem afetar minha frequência às aulas. Se eu aprendesse a vender mais, a permanência na faculdade estava garantida.
Chegou então o dia do treinamento. Excepcionalmente faltei à faculdade para assistir, até porque via isso como o que potencialmente me manteria na faculdade.
Quando o treinamento começou, havia algo estranho. Nunca havia participado de algo assim, mas o que estava acontecendo não me parecia cumprir com o que foi prometido.
Ao meu lado, um colega de trabalho, que também é pai de um dos meus melhores amigos, sacou um caderno e uma caneta, e começou anotar tudo o que ouvia, de forma corrida.
Não eram anotações, era uma espécie de ata. Um registro de tudo o que estava acontecendo.
E o que estava acontecendo?
Inacreditável! Nosso treinador, apresentado como alguém espetacular e super motivador, estava ensinando a deixar a ética de lado e seguir passando a perna em tudo e todos. Não só no trabalho, mas na vida!
Ele falava que o perfil de uma pessoa bem sucedida era a esperteza! Citava como ele burlava até mesmo o relógio contador de água de sua casa.
Seu tom arrogante e olhar de superioridade deixam o clima ainda mais tenebroso.
Depois deste dia, minha produtividade e dos meus colegas mais próximos, despencou.
Eu não conseguia mais sair por aí vendendo coisas que as pessoas não precisavam, e talvez até, nem conseguissem manter. As poucas vendas que fiz, após aquele treinamento me fizeram se sentir mal. Ainda que eu não estivesse colocando em prática todo o arsenal de falcatruas que a empresa propôs. Na verdade, o produto por si só já não representava meus valores.
Em trinta dias, fui demitido por falta de produtividade. E concordo plenamente com a decisão tomada. Junto comigo, cerca de 70% da equipe foi dispensada.
Em seis meses o escritório local estava fechado, e meu chefe imediato (esse sim um líder de verdade) iniciava uma bem sucedida carreira no ramo de confecções.
Eu passei um tempo desempregado até conseguir meu primeiro estágio como acadêmico de psicologia, e me encontrar no trabalho com relacionamento humano.
Que tal pensar um pouco sobre este líder espertalhão.
Você acha que ele tinha qualificações para ser líder?
Os valores morais e éticos não seriam essenciais para um cargo de liderança?
O que poderia ser feito?
No lugar deste líder, qual seria sua estratégia?